sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Trem do holocausto no Maranhão, de Açailândia a São Luis – Parte 1

Minhas constantes tentativas de convencer F. (Cristiane F) a não viajar na classe econômica do trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás fora em vão, e lá estávamos prestes a vivenciar o que seria nossa saga em busca da sobrevivência.
Segue o vídeo da viagem abaixo. Não continue a ler sem antes ver o pequeno vídeo.

É. Você está certo, esse vídeo é fake. O trem que viajamos é outro, mas naquela época de nossas vidas, não conhecíamos youtube e imaginávamos estar experimentando o cúmulo das viagens de trens lotados.

O trem de passageiros tinha duas classes: a executiva, em que cada um tinha direito a uma poltrona, e a econômica, em que cada poltrona era disputada por facções rivais, dispostas a tudo para não passarem 12 horas em pé. Meu grupo era composto por mim, F. e J (J. Nazaré). Não estávamos preparados para batalha, mas chegamos a um ponto que desistir já não era uma opção.
Durante a espera, conversávamos com uma e outra pessoa, que de alguma forma percebiam que não éramos passageiros habituais daquele transporte. Uma senhora perguntou se havíamos encontrado passagem na classe executiva, ao respondermos que íamos de econômica, soltou aquela gargalhada esclarecedora, e de pronto começou a nos fornecer as primeiras informações que abririam nossos olhos para o que iriamos enfrentar. A mais confortante foi: que caso conseguíssemos ficar próximos à janela, para nunca a abrirmos, pois a primeira vez que ela viajou naquele trem, teve a brilhante ideia de se refrescar com um ventinho no rosto, tendo aberto a janela em uma das paradas, momento em que um transeunte aproveitou a oportunidade para presenteá-la com uma tijolada na cabeça, sendo necessário continuar sua viagem de verão em uma maca.
No terminal do Trem havia dois corredores constituídos por grades metálicas em seus limites de vedação, de aproximadamente 3 metros de largura por 10 metros de comprimento cada, separando a grande área de espera, da ala de embarque. Por um dos corredores passavam os poucos passageiros da classe executiva, e por outro passavam os indimensionáveis da classe econômica.
No corredor da “geral” algumas centenas de pessoas, ou milhares, aguardavam se esforçando para aparentar tranquilidade, que abruptamente foi interrompida com o apito distante e longo do trem. Teve início então a correria e o desespero da cambada de gente, dependuradas e espremidas entre as grades do corredor!
Antes de o segundo portão do corredor ser aberto, milhares de pessoas se espremiam com malas, sacos, caixas e crianças erguidas acima dos braços. As crianças eram passadas de mão em mão até serem jogadas por cima das grades, se posicionando na ala de embarque, algumas choravam e as mais corajosas riam ansiosas. Imaginei que era para segurança das mesmas, haja vista o sério risco de serem subitamente esmagadas ou pisoteadas. Engano meu. Logo, constatei que as frágeis criancinhas não passavam de comparsas exaustivamente treinadas para executarem a difícil tarefa de pularem pelas janelas do trem e se apropriarem de poltronas que renderiam uma boa vantagem à suas facções familiares durante a viagem.
Notava-se que as crianças não ambicionavam a realização desse encargo, contudo, realmente eram frágeis e se submetiam à imposição dos representantes mais poderosos de seu clã, geralmente os que transportavam os maiores pesos, exercendo sua dominação naquele microambiente familiar de guerra.
Nesse momento decidi exercer meu domínio, mais não tive forças suficientes para erguer F ou se quer J, para lança-las sobre a grade, eram demasiadamente crescidas e bem alimentadas, e via-se também que não eram tão frágeis assim.
Aguardávamos o desembarque dos passageiros e embarque das pouquíssimas pessoas da classe executiva. Estar amontoado naquele corredor estreito me remetia ao tempo do holocausto, quando os judeus eram transportados em trens para os campos de concentração. Isso não me desanimava, pelo contrário, alimentava meu instinto de sobrevivência, me preparando para o pior.
E de repente, não mais que de repente, os portões foram abertos!! Mães gritavam por seus filhos extraviados. Homens jogavam suas bagagens (diga-se: mudanças) pelas janelas do trem, e nós fazíamos parte daquele magote de gente desesperada. Corremos e corremos mais nada de êxito, passamos as duas primeiras horas percorrendo vagões superlotados, cada um mais intransponível que o outro.
Tínhamos a ilusória esperança de encontrar lugares nos últimos vagões, já que onde estávamos não sabíamos por quanto tempo ainda teríamos oxigênio. Andávamos, parávamos, encarávamo-nos, esbarrávamos, enfim, lutávamos por nosso espaço, mas nossa afobação não durou muito. E lá nos víamos: estáticos. Aguardando quem sabe uma aparição do Mestre dos Magos, pois essa era uma possibilidade que já admitíamos.

Um comentário:

  1. Vini amei essa história.!!O teu senso de imaginação e detalhes é fascinante!! E olha que sempre tive vontade fazer essa viagem. Pensando bem, melhor mesmo é ir de classe executiva..kkkk

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